terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Caminhada em Sta Maria

Um multidão superior a 35 mil pessoas ganhou as ruas na noite desta segunda-feira em homenagem às vítimas do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria. 
Vestidos de branco e segurando cartazes, balões e faixas negras de protesto, familiares e amigos saíram da Praça Saldanha Marinho, no centro da cidade, pouco depois das 22h.
A mobilização começou com orações e com o canto do hino do Rio Grande do Sul. Após, a multidão percorreu, ora em silêncio, ora ao som melancólico de violinos, o mesmo trajeto que os corpos fizeram após a tragédia, passando pela Kiss e seguindo até o Centro Desportivo Municipal (CDM), onde ocorreu o reconhecimento das vítimas e muitos velórios.


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


Martha Medeiros


Por uma infelicidade tremenda, fui ler os comentários de um site sobre o acontecido em Santa Maria e dei com uma criatura funesta que falou coisas impublicáveis. Um só. Um único demente entre tantos solidários, e pensei: precisa mais que um para lamentarmos a falta de compaixão? Porque essa foi a palavra que me invadiu desde as primeiras horas de um domingo ensolarado lá fora e nublado aqui dentro: compaixão.

Qualquer pessoa que tenha um filho ou uma filha não tem como não se colocar no lugar dos pais, dos avós, dos tios daquela garotada que saiu no sábado à noite para se divertir e que foi vítima do destino — poderíamos também chamar de descaso, insensatez, irresponsabilidade —, mas é cedo para diagnósticos precisos. Destino é uma palavra mais abrangente.

Tenho duas filhas que comumente saem à noite, dançam, se divertem em lugares fechados, e eu não faço vistorias prévias, não peço laudos, não investigo, simplesmente confio que elas estarão em segurança. Quem pode garantir? Alguém deveria, mas o destino não se responsabiliza. Nunca se responsabilizou.

Sei de dois irmãos e de um casal de namorados que tinham relações com amigos meus e que estão entre as vítimas. De íntimo, eu não conhecia ninguém. Isso me afasta da tragédia? Nada nos afasta dessa tragédia, a não ser que não tenhamos compaixão. Essa palavra não me sai da cabeça. Um mundo individualista como o nosso precisa abraçar esse conceito, esse sentimento: compaixão. Se colocar no lugar do outro. Dói, mas é necessário.

Quem não tem filhos sofre. Quem tem se arrebenta. Não é algo que se explique. Nenhum racionalismo conforta. É um soco que nos tira o ar e nos faz lembrar o que tanto buscamos esquecer: que somos todos vulneráveis diante da fragilidade da vida.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Em Santa Maria

"Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça. A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta. Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.
A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013. As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada. Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.

Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio. Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda. Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência. Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.

Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram. Morri sufocado de tanta morte; como acordar de novo? O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista. A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.

Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro. Mais de duzentos e cinquenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.

Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal. As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso. Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.

As palavras perderam o sentido."
(Fabrício Carpinejar)