"Morri em Santa Maria hoje. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas,
1925. Numa ladeira encrespada de fumaça. A fumaça nunca foi tão negra no
Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta. Nem as tempestades
mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha,
avulsa, página arrancada de um mapa.
A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27
de janeiro de 2013. As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca
mais será controlada. Morri porque tenho uma filha adolescente que
demora a voltar para casa.
Morri porque já entrei em uma boate
pensando como sairia dali em caso de incêndio. Morri porque prefiro
ficar perto do palco para ouvir melhor a banda. Morri porque já confundi
a porta de banheiro com a de emergência. Morri porque jamais o fogo
pede desculpas quando passa.
Morri porque já fui de algum jeito
todos que morreram. Morri sufocado de tanta morte; como acordar de
novo? O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na
pista. A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.
Os
adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de
nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro. Mais de
duzentos e cinquenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos
irmãos.
Os telefones ainda tocam no peito das vítimas
estendidas no Ginásio Municipal. As famílias ainda procuram suas
crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.
Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.
As palavras perderam o sentido."
(Fabrício Carpinejar)
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