domingo, 7 de julho de 2013

David Coimbra - via zh online

— Será que a Banca do Holandês se foi? - indagou um homem de bigode, de uns 40 anos de idade, sem se dirigir a ninguém em especial: deixou a pergunta no ar, e um outro homem, baixinho, com fones de ouvido, tomou-a e respondeu:
— Na Gaúcha está dando que as bancas do centro não foram atingidas.
— Ainda bem — tornou o de bigode. — Eu adoro a linguiça de Gramado.
O que teria sido feito das linguiças de Gramado? E do pão de aipim? E dos tonéis com erva mate da boa? Os antigos gibis do Tex Willer e do Fantasma decerto que se queimaram. No Gambrinus há uma parede que o velho Antônio Dias de Melo fez questão de preservar na última reforma. É uma parede antiga, do século 19, que sobreviveu até ao incêndio de 1912, e nela está pintado Gambrinus, o deus da cerveja. Bem ao lado está pendurada a cadeira em que uma noite sentou-se o Chico Viola, o grande Francisco Alves. Será que ainda restam intactas a cadeira do Chico Viola e a gravura do deus da cerveja? E na loja contígua, no Bar Naval, onde Lupicínio ia bater caixinha de fósforo, será que houve perdas no Bar Naval? E aquelas bancas de venda de peixe que fremem na Semana Santa, ainda estarão de pé? E o café da mokinha? E as bancas de frios em que até a Deborah Secco se deliciou, quando morou em Porto Alegre?

Eram essas as dúvidas da população. Dúvidas que mexiam com suas referências sentimentais, que mexiam com suas lembranças. Com suas vidas, enfim. Ficaram ali, especulando, homens e mulheres, até que, vencida a barreira da meia-noite, uma chuva caudalosa desabou do negro do céu, ajudando o trabalho dos bombeiros e mandando os populares para casa. Foram-se, rapidamente, provavelmente sentindo que um pouco da história deles todos, de todos os porto-alegrenses, não passava, agora, de cinzas. Cinzas e dor.

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